O
colunista Arnaldo Jabor do O Globo, derramou seu desafeto sobre o possível
resultado do julgamento do mensalão no que ele chamou de "possível vitória
dos bolcheviques e corruptos lobistas". O voto do ministro Celso de
Mello decidirá se é a favor, ou não dos embargos infringentes, que podem
até levar a um outro julgamento.
Depois de tanto tempo para se (des)organizar uma república democrática,
o ministro Celso de Mello tem nas mãos o poder de decretar nosso futuro
Comecei a escrever este artigo e parei. Minhas mãos tremiam de medo
diante da gravidade do assunto. Parei. Tomei um calmante e recomecei. Não posso
me exacerbar em invectivas, em queixumes ou denúncias vazias. Tenho de manter a
cabeça fria (se possível) para analisar os efeitos do resultado do julgamento
do mensalão, que virá amanhã. “Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow” (...) “o
amanhã se infiltra dia a dia até o final dos tempos”, escreveu Shakespeare em
“Macbeth” (ato 5 cena 5); pois o nosso amanhã pode nos jogar de volta ao
passado, provando a nós cidadãos que “a vida é um conto narrado por um idiota,
cheio de som e fúria, significando nada”. Ou que “a nossa vida será uma piada”,
na tradução livre de Delubio Soares.
No Brasil nunca há “hoje”; só ontem e amanhã. Amanhã será amanhã ou será
ontem. Depois de tanto tempo para se (des)organizar uma república democrática,
o ministro Celso de Mello tem nas mãos o poder de decretar nosso futuro. Esta
dependência do voto fatal de um homem só já é um despautério jurídico, um
absurdo político. O “sagrado” regimento interno do STF está cuidadosamente
elaborado por décadas de patrimonialismo para inviabilizar condenações. Eu me
lembro do início do julgamento. Tudo parecia um atemorizante sacrilégio, como
se todos estivessem cometendo o pecado de ousar cumprir a lei julgando
poderosos. Vi o “frisson” nervoso nos ministros-juízes que, depois de sete anos
de lentidão, tiveram de correr para cumprir os prazos impostos pelas chicanas e
retardos que a gangue de mensaleiros e petistas conseguiu criar. Suprema
ironia: no país da justiça lenta, os ministros do Supremo foram obrigados a
“andar logo”, “mandar brasa”, falar rápido, pois o Peluso tinha de votar, antes
de sair em setembro. E só houve julgamento porque o ministro Ayres Britto se
empenhou pessoalmente em viabilizar prazos e datas. Se não, não haveria nada.
Dois ministros impecáveis e com saúde foram aposentados com 70 anos.
Poderiam ao menos terminar o julgamento; mas o “regimento” impediu. Sumiram de
um dia para o outro, para gáudio dos réus. E foram nomeados em seu lugar Teori
e Barroso, naturalmente ávidos para não se submeter ao ritmo de nosso Joaquim
Barbosa e valorizar sua chegada ao tribunal. Até compreendo a vaidade, mas
entraram para questionar o próprio julgamento, como Barroso declarou.
Amanhã, Celso de Mello estará nos julgando a todos; julgará o país e o
próprio Supremo. Durante o processo, qualificou duramente o crime como “o mais
vergonhoso da História do país, pois um grupo de delinquentes degradou a
atividade política em ações criminosas”. E agora?
Será que ele ficará fiel a sua opinião inicial? Ele fez um risonho
suspense: “Será que evoluí?” — como se tudo fosse mais um doce embate jurídico.
Não é.
Se ele votar pelos embargos infringentes, estará acabando com o poder do
STF, pois nem nos tribunais inferiores como o STJ há esses embargos.
Nosso único foro seguro era (é?) o Supremo Tribunal. Precisamos de uma
suprema instância, algum lugar que possa coibir a cascata suja de recursos que
estimulam a impunidade e o cinismo. Já imaginaram a euforia dos criminosos
condenados e as portas todas abertas para os que roubam e roubarão em todos os
tempos? Vai ser uma festa da uva. A democracia e a república serão palavras
risíveis.
O ministro Celso de Mello provavelmente não lerá este artigo, pois se
recolhe num retiro proposital para consultar sua “consciência individual”.
Mas, afinal de contas, o que é essa “consciência individual”, apartada
de todos os outros homens vivos no país?
O novato Barroso, considerado um homem “de talento robusto e sério”,
como tantas personagens de Eça de Queiroz, já lançou a ideia e falou de sua
“consciência individual” com orgulho e delícia: “Faço o que acho certo.
Independentemente da repercussão. Não sou um juiz pautado sobre o que vai dizer
o jornal no dia seguinte.” Mas, quem o pauta? A coruja de Minerva, o corvo de
Poe, ou os urubus que sobrevoam nossa carniça nacional? Ele não é pautado por
nada? A população que o envolve, não o comove? Ele nasceu por partenogênese,
geração espontânea, já de capa preta e sapatos ou foi formado como todos nós
pelo olhar alheio, pelos limites da vida social, pelas ideologias e pelos
hábitos que nos cercam? Que silêncio “fecundo” é esse que descobre essências do
Ser na solidão? Ele é o quê? O Heidegger do “regimento”? Essa ideia
“barrosiana” de integridade não passa de falta de humildade, de narcisismo
esperando iluminação divina.
E Celso de Mello aponta nessa mesma direção. Será? Será que ele terá a
crueldade (esta é a palavra) de ignorar a vontade explícita da população pela
violenta anulação de nove anos de suspense, por uma questiúncula em relação ao
“regimento”? Por que não uma interpretação “sistemática” da lei, em vez da
estrita análise literal? Transformará a “justiça suprema em suprema injúria”
sobre todos nós?
Os acontecimentos benéficos ao país sempre voltam atrás, depois de uma
breve euforia. Assim foi o milagroso surgimento da opinião pública nas ruas,
logo reprimida não pela policia, mas pelos punks fascistas encapuzados que
amedrontaram todos, para alegria do Executivo e Legislativo. Todos os
escândalos inumeráveis voltam ao nada. Um amigo me chama de pessimista;
respondo que o pessimista é um otimista bem informado.
A verdade é que, desde o início, o desejo de ministros como o
Lewandowski e o Toffoli era retardar o julgamento. Eu gelei quando vi a cara
impassível do Lewandowski analisando o processo por seis meses e o Toffoli não
se impedindo de votar, apesar de suas ligações anteriores com Dirceu. Depois,
os dois novatos chegaram para proferir sentenças contra o processo de que não
participaram.
Em tudo isso há sim um forte desejo de ferrar o Joaquim Barbosa, por
inveja da fama que conquistou.
E afirmo ( com arrogância de profeta) que amanhã o Celso de Mello, com
sua impecável “consciência individual”, vai votar “sim” pelos embargos.
Será a vitória para os bolcheviques e corruptos lobistas. O.k., Dirceu,
você venceu.
Se fosse do PSDB não havia medo e nem precisava tomar calmante. Não há outro esquema maior do que o da piratização no tempo de FHC.
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